
No entanto, alguma coisa perturbava o rapaz. Ouvia como que vozes interiores a lhe falar, tinha estranhas visões e sonhava com o que ainda estava para acontecer. Tudo começou por volta dos sete anos de idade. Estava sentado às margens de um lago, atirando pedras e observando calmamente as ondulações que elas descreviam à flor d’água. Aos poucos, foi fluindo-lhe uma imagem: um dos pescadores era atacado vorazmente por um gigantesco tubarão branco. Viu tudo em detalhes e reconheceu perfeitamente o local do trágico incidente. A água coalhou-se de sangue desfazendo a visão por completo. Levantou-se subitamente, correndo em direção à sua casa. Chegou totalmente sem fôlego, atirando-se ao pescoço da mãe e tendo os olhos cheios de lágrimas.
— Meu Deus! O que houve, filho? — indagou a mulher enquanto apertava-o contra o peito.
Ele tentava responder mas, a voz morria-lhe no fundo da garganta. Permaneceu mudo o restante do dia.
A noite começava a cair e não havia nenhuma notícia de Jonas. Ninguém mais o vira desde a madrugada; hora em que, rotineiramente, dirigiam-se para alto mar. Já era tarde para se dar início as buscas ainda naquele dia.
Da varanda de sua casa, Nabi contemplava o firmamento. Seu coração achava-se mergulhado na mais profunda tristeza. Via em cada um daqueles pescadores a imagem de um pai. Tio Jonas; era assim que costumava chamá-lo. Agora, buscava-o entre as estrelas do céu. Sua mãe dizia que quando as pessoas morriam viravam estrela. Qual delas seria ele?
Amanheceu. Simão, líder da aldeia, organizou três equipes de busca. Uma percorria a área próxima ao litoral. As outras duas vasculhavam as ilhotas que encontravam-se espalhadas pela região.
— No Rochedo das Chamas! — dizia o menino consigo mesmo. Não se atrevia contar a ninguém o que tinha visto.
Passavam-se as horas, sem que se obtivesse qualquer resultado nas buscas. Já haviam percorrido dezenas de estádios através da costa e pouco além da plataforma continental. Era quase hora nona quando, próximo ao Rochedo das Chamas, encontraram o corpo. Recebia tal nome porque nas noites escuras era tomado por fogos misteriosos que podiam ser avistados da praia. Tinham-no como um lugar sagrado.
Enquanto Nabi assistia ao por do sol, recordava a história que, naquela época, seu pai narrou a fim de consolar-lhe:
“— Há muito tempo, no cume de um monte, nasceu um lírio branco. O terreno era pedregoso e fortemente castigado, oras pelo vento, oras por sol e chuva, conforme a estação do ano. Numa manhã de primavera, começou a abrir passagem por uma pequena fenda entre as rochas, uma frágil plantinha, com a persistência de quem já amava a vida. Nutria-se apenas da pouca terra que suas raízes conseguiam alcançar e das gotículas de orvalho que sorvia. Com o passar das semanas ela foi crescendo, tornando-se bem verdinha, até que desabrochou na forma de uma bela flor branca de pétalas sedosas. Como para tudo há o seu tempo, um dia a planta começou a murchar. Porém, o vento, soprando forte, espalhou as sementes. Dessa forma, as campinas da região acabaram povoadas por milhares de lírios brancos. Assim é o homem — disse Simão concluindo o discurso — nasce e cresce tendo que enfrentar os desafios da vida. Só colhe a flor da felicidade aquele que luta por ela. Chega um dia também a sua vez e ele morre mas, continua vivo no amor que transmitiu à sua descendência.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário